Marina Fernandes tem 20 anos, é mulher, negra e lésbica. Escrevia para um blog pessoal chamado "Grite Preta" que hoje já não atualiza mais, mas constantemente pensa em reavivá-lo. Cultiva o sonho de fazer Jornalismo, e compartilhou suas experiências de mulher negra e lésbica na entrevista a seguir.
por Emerson Luiz

EMERSON: Antes de tudo, me conte sobre você: quem é, seu nome, sua idade, e um pouco da sua história.
MARINA: Meu nome é Marina, eu tenho 20 anos, nasci em Uberlândia e moro em Uberlândia até hoje. Olha, eu comecei a falar um pouco sobre a minha militância, e tudo mais, é... eu falo quando o Feminismo nasceu na minha vida, foi em 2015, que eu tava no ensino médio, e essas questões de mulheres começaram a fazer mais sentido pra mim. Eu tinha duas amigas no ensino médio, e as duas já eram feministas, e eu ainda não tinha me declarado feminista, e ai elas foram me apresentando o feminismo. No início, quando a gente entra no movimento, a gente conhece aquele feminismo liberal, eu tenho um pouco de crítica com esse feminismo, porque é de mulheres de classe média, brancas, etc. Mas essa vertente foi importante para me ver como mulher, e conseguir entender mais sobre o meu corpo, me sentir bem comigo mesma, enfim.. Só que mais no final do ano de 2015, que eu comecei a me encontrar no feminismo negro, foi amor a primeira vista. Pensei “é esse o feminismo que me representa, que me contempla”.
EMERSON: Adentrando a questão da negritude LGBT, gostaria de te fazer perguntas sobre ser mulher negra e lésbica. Quando se fala da representatividade LGBTQI+, esses grupos, como outras dentro do movimento, há uma percepção de que esses grupos estão secundarizados. Essa percepção é certa? Se sim, qual seria o espaço atual da mulher lésbica negra dentro do movimento?
MARINA: Então, o movimento LGBT, eu vejo que ele prioriza muito o homem gay branco, assim como na sociedade hétero se valoriza o homem branco hétero. Apesar desses homens sofrerem preconceito, eu vejo que o movimento visibiliza muito eles. E acaba com que as outras fragmentações desse movimento sejam invisibilizadas, como as mulheres lésbicas, bissexuais, enfim.. Todas as outras camadas. Quando o movimento LGBT começa a ser GGG, temos um problema nesse aspecto. Quando vamos falar sobre a mulher negra lésbica, é também um pouco complicado. Assim como a mulher negra hétero sofre uma hiperssexualização, dentro do movimento lésbico e LGBT também acontece isso. É muito difícil eu ir numa balada, e conseguir ficar com uma menina branca. Às vezes que eu fiquei foi porque eu cheguei, e não porque chegaram em mim. As que já chegaram eram negras, então a gente vê que tem um probleminha aí. E quando chegam também, porque aí parecem que estão desejando o nosso corpo. Então eu acho que a mulher negra lésbica é invisibilizada, é hiperssexualizada também, e aí eu acho que são várias questões dentro do movimento que a gente precisar parar e sentar todo mundo e pensar “isso aqui não tá certo”.
EMERSON: O ano de 2018 foi marcado pelo assassinato da governadora do Rio de Janeiro Marielle Franco. A governadora era mulher, negra, lésbica e da periferia. Compartilhando das mesmas questões minoritárias, qual a sua perspectiva sobre esse assassinato?
MARINA: Falar sobre a Marielle Franco é um pouco complicado, porque fico um pouco emocionada. Eu não conhecia a luta da Marielle, fui conhecer após o assassinato. Eu fiquei um pouco chocada, mas não tão surpresa. Eu fui no ato que teve lá na UFU, que falaram sobre a Marielle e tudo mais. Eu falo, e é algo que mexe bastante comigo, porque a Marielle foi uma mulher negra, lésbica, periférica e que batia o pé pra isso, e ela lutava por esses direitos, das mulheres negras e da comunidade periférica e tudo mais. E eu fico pensando, e fico me vendo muito nela, e vejo que a gente tem um preço a pagar. Por ser quem a gente é, por lutar por quem nós somos. Eu que me declaro feminista, e falo sou mulher e sou feminista negra, eu luto pelos direitos das mulheres e do povo negro, e gosto de ler sobre política e me inteirar sobre... e assim, tenho muita vontade de fazer Jornalismo, ir pro Jornalismo político, pro cultural. E aí eu querer fazer, e esperar que em algum momento eu consiga visibilidade, eu sei que eu posso pagar por isso. É um misto de ter força para conseguir chegar aonde eu quero, mas tem também medo. E eu acho que esse assassinato da Marielle, mostrou isso: olha, vocês podem ir atrás do que vocês querem, mas estamos de olho em vocês.
EMERSON: Há ainda uma outra questão que é a de que o assassinato de Marielle não chegou ao seu juízo final, e permanece sem solução. A Anistia Internacional cobrou resoluções, mas elas não vieram. A ausência de uma resposta também gera um sentimento?
MARINA: A ausência de resposta do assassinato da Marielle, de saber quem foi que matou a Marielle Franco, só confirma pra mim e pra todas as outras pessoas que a vida negra não importa. Que a morte de pessoas negras não importa; pessoas negras morrem todos os dias, o genocídio das pessoas negras cresce todos os dias, e ninguém se importa. E ninguém se pergunta quem foi que assassinou a Marielle Franco, e não pergunta quem foi que assassinou o meu vizinho da periferia, o moço da rua ali de baixo, não questionam. Porque que jovens negros estão morrendo, porque vemos tanto e é comum, a gente liga a televisão e a gente vê, ah “o menino fulano de tal sumiu e foi visto pela última vez com a polícia, até hoje não sabe onde ele tá”, então a gente só enxerga que as vidas negras não importam. E mesmo com a Marielle, com essa repercussão toda, com essa pressão toda, que as pessoas colocam pra ter uma resposta, e ainda assim a gente não tem, é só confirmar que, realmente, nós não somos nada.
EMERSON: Vi que você tem um blog chamado “Grite Preta” e que, como você me disse, não escreve lá há algum tempo. Em uma de suas produções, intitulada “Geração Tombamento: militância de aparências”, você escreve sobre uma atuação social de empoderamento de pessoas negras que vai além do estético, e que precisa inevitavelmente abarcar conhecimentos e fazer com que sjam disseminados. Apesar do texto ser sobre movimento negro exclusivamente, eu queria saber quais as suas referências culturais de mulheres negras e lésbicas.
MARINA: Eu não sei sobre a sexualidade delas, mas definitivamente há mulheres negras que me inspiram. Uma delas é a Djamila Ribeiro, que eu amo demais, eu sou apaixonada nessa mulher, ela é negra, filósofa, tem livro, viaja por todo o mundo. Outra é a Angela Davis, que ficou conhecida pelo movimento “Liberte Angela Davis” na década de 70, na época dos Panteras Negras e etc. E é uma mulher que me inspira bastante, e eu queria conhecer ela. Essas duas mulheres negras e intelectuais que mais me inspiram. Fora desse âmbito, sem ser desse lado acadêmico, gosto muito de cantoras né!? Gosto muito da Karol Conká, acho muito talentosa, com uma presença perfeita; Rimas e Melodias, todas as meninas daquele grupo são maravilhosas. Ver essas mulheres só mostra que a gente consegue tudo. Cê acha que algum homem vai parar aquelas mulheres? Nunca. Já mulheres que são influencers, gosto muito da Magá Moura, a Gabi Oliveira, ela é maravilhosa também, ela é muito engraçada, é bom porque a gente vê que nós somos diferentes.
EMERSON: Qual a importância do papel de se construir uma bagagem de conhecimentos para quem está dentro dos movimentos sociais e para pessoas de grupos minoritários?
MARINA: Essa importância de construir a bagagem de conhecimento, é importante porque a única coisa que não pode tirar da gente é o nosso conhecimento, entendeu!? A única que a gente pode falar que você não tem, é o nosso conhecimento. Porque a gente tem, entendeu!? Por isso acho importante estudar, ocupar lugares acadêmicos. Mas não só ocupar, aprender tudo o que se pode aprender, absorver tudo que se pode absorver, e levar pro lugar de onde você veio, entendeu!? Tipo assim, eu tô num patamar muito alto do academicismo, eu quero levar, eu tenho que levar esse conhecimento todo pra comunidade que eu moro. Isso é uma das coisas que eu tenho muita vontade de fazer aqui no meu bairro, de criar um grupo de mulheres negras. O conhecimento é a única coisa que não pode tirar da gente, que ninguém pode arrancar de nós, então por isso que eu acho importante estarmos sempre em busca do conhecimento, do estudo, porque isso ninguém pode tirar da gente.
EMERSON: Vi que você tem um outro texto no seu blog, chamado “Quem dera, preta.”, em que você anseia por um Brasil e por uma sociedade que veja as mulheres negras com mais esplendor. Você coloca figura de mulheres negras que são muito comuns. E no texto, tem uma frase que é “Preta que resiste, não de hoje, de sempre”. Você tem resistido desde sempre? Como é possível resistir?
MARINA: Olha, não existe uma receita de como resistir. Eu acho que a resistência é muito difícil, muito complicada, ela te dá dor de cabeça, ansiedade, te faz ficar desesperado com muitas coisas. Então, eu sinto que tenho resistido mais quando eu me assumi enquanto lésbica, eu resisti muito aqui na minha família, tem 1 ano, da minha família ignorando esse fato da minha sexualidade, e foi um processo tanto pra mim quanto pros meus pais, minhas irmãs sempre foram muito tranquilas, e eu resisto desde então. Então, a minha resistência enquanto mulher lésbica vem desde 2016, não tem lá muito tempo, mas é desde lá que vem minha resistência. E não é fácil, é muito difícil, porque você escuta coisas que você não quer escutar, lida com coisas que não quer lidar, e você só queria estar deitada na cama se escondendo do mundo todo, né!? Mas.. não dá pra ser assim, a gente precisa dar a cara pra bater sim, a gente precisa falar “eu sou isso”: eu sou mulher, sou negra, sou lésbica, e eu acho que o fato de nunca ter recuado fez com que as pessoas passassem a me respeitar mais em relação a isso. Então não é fácil resistir, é difícil, é complicado, mas continuamos nessa luta.
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