E por que mesmo após anos de estudo o assunto ainda é cercado pelo preconceito e considerado um tabu.
por Lucas Ribeiro
O vírus HIV chegou ao Brasil nos anos 80 e trouxe medo e pânico. A AIDS, doença causada pelo vírus logo foi vinculada ao público gay, chegando a ser conhecida como “doença dos 5 H’s” pois era comum entre os homossexuais, os haitianos (o Haiti passava por um surto e contava com muitos infectados), os hemofílicos, os heroinômanos (pessoas que injetavam heroína) e os chamados hookers (gíria para prostitutos em inglês).
A doença foi descoberta nos Estados Unidos através de um grupo de pessoas com uma forte pneumonia onde os médicos acreditavam se tratar de uma espécie de mutação da pneumonia. Nessa época, o grupo mais atingido eram os homens homossexuais. No Brasil, foi-se descoberto o primeiro caso na cidade de São Paulo em 1980 mas o Sistema de Vigilância Epidemológica do Ministério da Saúde considera que o primeiro caso foi diagnosticado em 1982.
Foi nessa época que o surgimento da doença abalou o mundo LGBT. Médicos reacionários começaram a estudar a doença e as primeiras informações apontavam a doença como transmitida pelos homossexuais, chegando a ser chamada de “praga gay, “câncer gay” entre outros que reforçavam e disseminavam o preconceito pelo mundo.
Para Mário Lúcio da Silva Freitas, da ONG RNP – Rede Nacional de Pessoas com HIV/AIDS, soropositivo há 17 anos, ele nunca sofreu preconceito desde o período que descobriu ser portador do vírus: “Nunca sofri preconceito por ser HVI positivo. Na verdade, sofri preconceito quando enfrentei um câncer. Inclusive, todas as pessoas pelas quais eu me interessei ou se interessaram por mim, quando eu contei que era HIV positivo, nenhuma deixou de querer ficar comigo por isso. Eu sempre digo que o preconceito começa dentro da própria pessoa, pois quando ela tem contra si preconceito, ela aceita preconceito das pessoas de fora.”
A AIDS hoje se tornou um problema menor devido aos avanços medicinais. Mas, com isso as pessoas começaram a “negligenciar” a doença como se fosse apenas algo que se resolvesse com medicação. O doutor Dráuzio Varella alerta em um vídeo que trata do assunto no canal Põe na Roda, veiculado no YouTube, sobre o aumento do HIV no Brasil – principalmente em jovens- e que isso pode estar ocorrendo devido a “perda do medo” da AIDS. O número de infectados aumentou 18% em 2017 e a maior parte dos novos diagnósticos é da população jovem, dividida entre jovens que fazem sexo com outro homem (o que seriam os jovens gays) e as mulheres heterossexuais.
O número é preocupante visto que esse problema pode ser evitado com o uso de preservativo nas relações sexuais. Com diversas campanhas sobre o uso de camisinha espalhadas pelos postos de saúde, veiculadas em emissoras de TV, revistas, jornais e na internet, é surpreendente como o público jovem – quem mais tem acesso à informação, principalmente pela internet – ainda se vincule nessa lista.
Para Mário Lúcio, o grande índice entre os jovens se trata da falta de cuidado que eles têm ao praticar o sexo. Mário é portador indetectável do vírus (não o transmite por ter a carga viral baixíssima) e toma o mesmo medicamento desde a primeira escolha dos médicos. Mario atualmente é casado com um rapaz sorodiscordante.
Para Diego*, estudante de direito de 23 anos, ainda existe um preconceito por parte da sociedade: “Eu nunca falo com ninguém sobre isso, tenho receio da forma como vão me tratar. Já senti olhares de pena por parte das pessoas que sabem da minha condição.”
(*) Diego é o nome que usaremos para preservar a identidade do entrevistado, que não quis vincular seu real nome a reportagem.
Diego é heterossexual e portador do HIV há 3 anos. Disse ter se contaminado com o HIV por descuido e que se pudesse evitar o fato, tomaria mais cuidado na hora do sexo: “Eu penso nas conseqüências que estou passando pelo simples fato de não ter usado camisinha em minhas relações casuais. Hoje eu digo para todos se prevenirem e cuidarem de si mesmos.”
Então o que mantém o vírus tão associado à comunidade gay?
O fato da origem da doença ter sido detectada dentro do meio gay ainda mantém essa ligação. A melhor forma de se livrar do preconceito é a prevenção. Apesar de existir mais heterossexuais infectados com o HIV, proporcionalmente, a concentração é maior entre os gays. Isso se dá devido a prática de sexo anal, onde acontecem pequenos ferimentos relacionados ao atrito e essas lesões deixam o organismo mais suscetível ao contágio.
Obviamente, a prática anal não é exclusivamente homossexual, todos estamos suscetível ao contágio e, foi esse pensamento que associou o HIV aos gays, gerando o preconceito. A AIDS ainda existe e a melhor das opções ainda é a prevenção. Sexo seguro é sexo com camisinha!
- OS SOBREVIVENTES DA AIDS NOS ANOS 80 -
Um outro vídeo publicado pelo canal Põe na Roda no Youtube traz depoimentos de gays que vivenciaram o surto do HIV na década de 80 e a maioria dos relatos tratam de situações desesperadoras. Um dos depoimentos narra a tristeza de ver seus amigos morrendo, pessoas saudáveis que definharam numa aparência extremamente emagrecida e debilitada.
Outra perspectiva interessante levantada por um dos entrevistados é a de que a AIDS serviu como um profeta para que houvesse uma percepção da existência da comunidade gay, antes underground. Ele ressalta que o fato de pessoas conhecidas, celebridades do mundo todo adoecerem e revelarem ter a doença trouxe uma consciência de que existia “uma intensa vida gay” no Brasil e no mundo: “Nós não éramos mais uma abstração” – diz o entrevistado.
A comunidade gay se viu assolada por um vírus que causava o medo e o pânico e os marginalizava ainda mais. Foi um período extremamente delicado para esse grupo e que deixou marcas na trajetória do movimento.
- O HIV NO CINEMA -
Alguns longas retrataram esse tema nas telonas. Destes destacamos dois:
Test (2013):
O filme conta a história de Frankie, bailarino que, em 1985, entra para uma famosa companhia de dança de São Francisco e precisa lidar com o fato de ser homossexual no período em que o HIV ainda é uma doença assustadora e desconhecida. Ao começar um envolvimento com outro dançarino, Frankie entra no dilema de fazer ou não o teste para saber se está infectado.
Confira o trailer:
The Normal Heart (2014):
O filme mostra a história do início da crise da AIDS em Nova York nos anos 80. O longa foca no esforço de vários ativistas gays e seus aliados na luta para expor a verdade sobre a epidemia para uma nação que se recusa a enxergar os fatos.
Confira o trailer:
Abaixo os vídeos sobre o HIV feitos pelo Põe Na Roda:
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